Voltei a ouvir uma palavra que não ouvia há algum tempo: "criadeiro". Não porque não os veja ou não saiba quem são, apenas porque quando nos decidimos afastar deles o mais possível percebemos que a sua voz não chega com a força de antes e às vezes passa-nos ao lado. De vez em quando, o vento traz-nos algum ruído de volta e por isso estamos aqui.
E volto a este assunto porquê? É fácil, pode ser que eles saibam ler nas entrelinhas e se identifiquem nestas palavras. Não vou dizer os seus nomes porque não é a mim que compete fazê-lo, deveriam ser os clubes de felinicultura a exigir que quando se tropeça numa pedra e sai de lá debaixo um criador novo (ou velho) este deveria cumprir os requisitos para poder criar. Esses requisitos são básicos: preocupação pela raça, conhecimentos e condições sanitárias/emocionais para poderem fazê-lo.
Por vezes, acontecem-nos coisas estranhas, que muitos dos nossos amigos conhecem... Um criador que nunca nos dirigiu a palavra pode, entretanto, pedir-nos um macho para uma ninhada. Uma pessoa que tinha medo de pegar nos seus gatos, que mantinha num terreno onde não vivia, onde não havia praticamente contacto humano e onde estavam outros animais doentes, apresenta-se um dia como criadora e quer fazer parte do nosso círculo de amizades. Há outros que manifestam ter como grande objectivo na vida um número: 11, 12 ou 13 gatos em alguns meses e têm orgulho nisso. Outros estão a ver um Best in Show e a rotular um animal de tudo e mais alguma coisa só porque não é deles, quando quem deviam rotular seria os donos, de quem não gostam. E que não se preocupam minimamente com isso. Um novo criador, se é que se tornou em alguma coisa parecida, acusou-nos um dia de fascismo por escolhermos o macho e a fêmea com que queremos criar porque para ele isso é apenas juntar macho e fêmea no matter what... E há dezenas de outras histórias que passam, e nós continuamos. Dezenas de histórias que conhecemos e que se calhar não sabem que conhecemos. Por isso, não estranhem se não vos aceitarem como amigos na realidade ou numa rede social qualquer.
De repente, só porque estamos a ganhar têm de se juntar a nós. E "ganhar" não é ganhar expos, não é ter gatos espalhados por todos os continentes, ganhar é sobreviver neste mundo de cão, em que não é possível haver amizades sem interesses e todos se adoram por umas semanas antes de se odiarem ao primeiro problema. Podem pensar que somos nós que o fomentamos, que esta maneira de ser é que provoca tudo isto, mas eu acho precisamente o contrário. Digo-vos que nunca nenhum criador me desiludiu, e tenho amigos na criação. Amigos que são, sobretudo, inteligentes, e se preocupam sobretudo com as pessoas e os gatos antes de mais alguma coisa. Os outros - e já foram tantos - por norma atraem-se e juntam-se, alinham ideias, objectivos e pontos em comum; e nós seguimos tranquilos o nosso caminho :).
Sobre tudo isto, o que eu digo é simples. Podem dizer o que quiserem de mim, que não me interessa. Não estou nisto para fazer amigos, a minha preocupação é apenas uma: os meus gatos e os donos dos meus gatos, e ao preocupar-me com eles estou a preocupar-me com esta raça magnífica. É muito simples. Não me peçam machos para cruzar; aviso já que gosto ser eu a avaliar os novos donos dos meus gatinhos; e posso perder em todas as exposições que vou continuar aqui a lutar pelo que acredito. Não me peçam para recomendar pessoas em quem não confio, e a minha porta está sempre aberta para discutir questões sobre a raça. E onde nunca ninguém bateu com essa justificação, talvez a mais nobre de todas. Tudo isto somos nós desde o ano 0 e gostamos de ser assim.
Há uma cábula fantástica sobre o mundo da criação, que apesar de ser caricatural faz todo o sentido. São 12 anos/12 degraus em que um criador se move (copyright: Pawpeds; tradução livre) e que deixo aqui para reflexão, se a quiserem fazer. Para aqueles que se perguntam, respondo desde já que a faço muitas vezes e por vezes não concordo comigo mesmo, mas pelo menos prossigo de consciência tranquila:
Ano 1: é o ano do entusiasmo;
Ano 2: ele sente que sabe tudo;
Ano 3: sente-se pronto para ser juiz;
Ano 4: afinal, os juizes não percebem nada disto;
Ano 5: é melhor comprar mais gatos;
Ano 6: afinal, por que não ganha?
Ano 7: começa a olhar para as ideias de outros criadores:
Ano 8: percebe que os seus gatos não são perfeitos;
Ano 9: procura conselho;
Ano 10: não vai usar o macho que toda a gente está a usar;
Ano 11: vai apenas usar gatos de criação de qualidade;
Ano 12: começa a entender.
Em que degrau estão vocês?
(by Luís)